quarta-feira, 11 de novembro de 2009

POVO KAIOWÁ


Olá, meus queridos!

O assunto de hoje não é feliz. O engraçado é que hoje eu escolhi falar da minha descendência, o povo Kaiowá, ou como nós mesmos nos entitulamos, Paí-Tavyretã, do tronco Guaraní. Os Pai-Tavyterã podem ser identificados com os antigos itatins, dos quais se tem notícia desde os tempos da primeira entrada dos europeus no Paraguai. Do tempo em que eram conhecidos como caaguá da selva ficou a denominação de kaiowá, ainda usada no Brasil. Sua autodenominação, no entanto, é a de paí-tavyterã, com clara alusão ao seu modo de ser religioso: paí seria o título com que os deuses e habitantes do paraíso saúdam e se dirigem a palavra, e tavyterã: os futuros habitantes do povoado do centro da Terra.
Suas aldeias distribuem-se, hoje, entre a porção leste setentrional do Paraguai, norte da Argentina, sul da Bolívia e parte do Mato Grosso do Sul.
Dizem que o primeiro homem foi Papa-Gui (o rei da natureza, criador da água e de tudo da Terra). Em seguida desceu dos céus Nhandeara (rei dos Deuses) há mais de dois mil anos. Ele deixou as regras e religiões que são seguidas até hoje como o uso do tembetá e a reza com mbarakás.
Os Kaiowás não tiveram contato significativo com os colonos europeus e seus descendentes até fins de 1800. No século XX, no entanto, com a chegada das frentes de colonização euro-descendentes aos seus territórios, os caiouás foram expulsos por latifundiários e empresas mineradoras, sem qualquer reação significativa por parte da FUNAI, que supostamente deveria prezar pelo bem estar dos povos indígenas no Brasil. Fora de suas terras, os caiouás são forçados a buscar trabalho, por vezes junto aos mesmos latifundiários que roubaram suas terras, recebendo geralmente pagamentos reduzidos com os quais buscam garantir sua existência.
Nas últimas décadas, centenas de kaiowás, tanto adultos quanto crianças, perderam suas vidas na defesa de suas terras. Estas são consideras essenciais por eles para a sua sobrevivência.
Unidos pela revolta e indignação em relação à lentidão no processo de demarcação de suas terras tradicionais (tekohá), cerca de 300 Guaranis Kaiowás estiveram reunidos, nos últimos dias 15 e 16 do mês passado, no Mato Grosso do Sul, para discutirem a retomada de seus territórios. O encontro, que ocorreu na Terra Indígena Yvy Katú, localizada no município de Japorã/MS, marca a realização da IX Aty Guasu (“Grande Reunião” em idioma guarani).
Nas palavras proferidas pelo cacique de Laranjeira Nhanderu, Farid de Lima, durante a realização do evento, estão expressas toda a indignação que reuniu o povo Guarani e Kaiowá em mais uma edição do “grande encontro”. “Nós vamos arrebentar a cerca e vamos entrar nas nossas terras de novo. E lá nos vamos ser enterrados, junto com os nossos antepassados. A minha comunidade já ta cansada de esperar a demarcação, que nunca é finalizada. Nós somos índios, nós somos o Brasil, somos sementes de Mato Grosso do Sul. Nós não vamos sair daqui, nós somos daqui. Quem invadiu nossas terras foram os brancos. Eles é que tem que sair”.
O evento representa a história da luta do povo Guarani e Kaiowá pela valorização de seus direitos. Além de reunir diversas lideranças indígenas, dentre elas o vereador do município de Paranhos/MS, Otoniel Guarani (PT-MS), o encontro também contou com a presença de representantes da FUNAI regional e nacional, membros de organizações indigenistas e autoridades como a Senadora Marina Silva (PV-AC), o Procurador da República em Dourados/MS Marco Antônio Delfino de Almeida e o Deputado Federal Antônio Carlos Biffi (PT-MS).
Esta a Aty Guasu teve como objetivo central discutir a demarcação do território Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul e pressionar os órgãos competentes a acelerem o processo, que vem se arrastando há quase 4 anos. O povo Guarani e Kaiowá representa a segunda maior população do estado, estando presente também em outras regiões brasileiras. Somam, ao todo, um contingente de, aproximadamente, 60 mil indígenas.

A luta
A situação em que atualmente se encontra o povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul é tensa e bastante precária. Tendo suas terras sido usurpadas por latifundiários e políticos locais, os grupos foram renegados ao confinamento em um território reduzido (cerca de 127 ha), no qual eram constantemente vítimas de agressões por parte pistoleiros a mando dos grandes fazendeiros.
A crescente violência somada à falta de condições dignas de sobrevivência (como a falta de alimentos e moradia) levou o povo Guarani Kaiowá a saírem em busca da recuperação de seus tekoha. Uma das ações para retomada da terra Krusu Amba, realizada em 2007, foi violentamente reprimida pelos fazendeiros. A tentativa terminou não apenas com a expulsão dos indígenas das áreas ocupadas como também ocasionou a morte da rezadora Zurite Lopes.
Além disso, quatro lideranças foram perseguidas e presas, tendo que cumprir, por dois anos, pena por crimes não cometidos. Após esse episódio, outra ação de retomada foi realizada pela mesma comunidade, o que levaou a nova expulsão pelos fazendeiros. O ato reacendeu a onda de repressão e violência contra o povo Guarani, culminando no assassinato brutal da liderança Ortiz Lopes.
“Nós, o povo Guarani Kaiowá estamos sofrendo há muitos anos pela falta de nossas terras. Enquanto esperamos a demarcação, que nunca é resolvida, nossas crianças estão morrendo de desnutrição e nossas lideranças, sendo assassinadas pelos fazendeiros e seus pistoleiros. A gente não agüenta mais esperar”, desabafa Eliseu Lopes, liderança da aldeia de Kurusu Amba, localizada no município de Amambai. Eliseu, que também é coordenado regional da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC), vem recebendo constantes ameaças a mando de latifundiários locais.
Sem direito de acesso aos seus tekoha (terras tradicionais), parte do povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, em especial as famílias da área de Kurusu Ambá, tem vivido, desde 2007, acampado às margens da rodovia MS-289, em Coronel Sapucaia, onde enfrentam muitas dificuldades. Além disso, as lideranças locais tem sofrido constates perseguições e ameaças por parte dos fazendeiros e da policia da região, o que já levou a diversos assassinatos, sem que haja, no entanto, qualquer punição dos culpados por parte da justiça.

O processo
A demarcação do território Guarani Kaiowás do Mato Grosso do Sul vem caminhando a passos lentos. Os indígenas aguardam a conclusão dos relatórios de identificação das terras, cujos prazos de execução tem sido constantemente adiados em função das recorrentes investidas dos fazendeiros.
O advogado da Diretoria de Assuntos Fundiários da FUNAI de Brasília, Aluísio Azanha, que esteve no evento representando o órgão, falou sobre as dificuldades e limitações enfrentadas no Mato Grosso do Sul. “Desde 2008 a FUNAI tem enfrentado uma pressão e resistência política e judicial. O governo do estado do Mato Grosso do Sul se posiciona muito franca e publicamente contra a demarcação, inclusive colocando recursos à disposição dos fazendeiros para elaborarem seus contra-laudos, conseguindo tumultuar, a todo o momento, o trabalho de regularização fundiária nesta região”, argumenta.
Para que o processo prossiga é necessário, no entanto, que os antropólogos da FUNAI ingressem nas fazendas para terminar os estudos identificação das terras. A realização dessa etapa esbarra na forte resistência dos latifundiários, que não poupam ameaças aos profissionais responsáveis pela finalização dos relatórios técnicos.
Para o procurador Marco Antônio Delfino de Almeida essa resistência dos fazendeiros encontra justificativas em possíveis irregularidades nos títulos das propriedades. “É bem provável que parte dos documentos de posse dos imóveis rurais sejam falsos. Por isso, muitos fazendeiros não aceitam nem a indenização pela terra nem os estudos antropológicos nessas áreas, pois temem que quanto mais mexermos nessa questão, mais falhas iremos encontrar”, comenta.
Durante a Aty Guasu os indígenas deixaram registrada a sua impaciência com a situação, exigindo a urgência na solução do problema em questão. Caso o processo não avance, o povo Guarani e Kaiowá empreenderá mais uma ação em massa de retomada de suas terras. Trinta dias foi o prazo deixado para que o Governo Federal regularize o processo de demarcação dos tekoha.

O apoio
As autoridades que se fizeram presentes no encontro registraram seu apoio e solidariedade à luta do povo Guarani Kaiowá, afirmando o compromisso em levar adiante a situação e as reivindicações apresentadas durante a Aty Guasu.
A senadora Marina Silva reafirmou seu compromisso em levar adiante as reivindicações apresentadas pelos indígenas às autoridades de Brasília e a inseri-la nas pautas da tribuna do Senado. “Estou aqui como aliada da causa em qualquer que seja a circunstância em que esteja. Não podemos nos esconder atrás do medo. E em nome da coragem que nos leve a justiça é que nós temos que buscar junto ao Governo Federal, junto a FUNAI, junto ao Congresso Nacional os meios para fortalecer os meios para que as pessoas possam fazer o seu trabalho e dar conta da justiça que vocês esperam”, pondera.
O deputado Antônio Carlos Biffi também se fez presente para confirmar o seu compromisso com a luta do povo Guarani e Kaiowá. “A gente tem sofrido muitas pressões em função da demarcação das terras indígenas. Estamos atuando em defesa das comunidades indígenas e temos sofrido uma pressão muito grande por parte do governo e dos proprietários rurais para que efetivamente não saia nenhuma demarcação. Cabe a nós buscarmos o apoio político para que possamos ver assegurados avanços na nossa política de definição de terras”, afirmou.
Todas as autoridades presentes assinaram o relatório elaborado pelos indígenas assegurando o compromisso com a luta em questão. Uma cópia do documento, que contém as principais reivindicações feitas pelo povo Guarani Kaiowá, foi entregue a cada uma desses líderes políticos para que possam levar a discussão adiante, contribuindo para acelerar o processo de demarcação das terras indígenas na região, assim como outras no estado, que se encontram em situação semelhante.
A saga do Povo Guarani Kaiowá é uma das mais dramáticas do país. Eles são o retrato, com todas as cores muito acentuadas, do pleno e radical descaso do Estado brasileiro com as nações indígenas. A tragédia imposta ao povo Guarani Kaiowá reproduz a submissão do Estado aos interesses econômicos e espúrios de uma pseuda elite, que ignorara os mais elementares direitos humanos. A situação desse povo traduz o desprezo do Estado brasileiro com os menos favorecidos. Representa, sem tergiversar, uma política indígena que privilegia o genocídio de um povo, cujos valores se perdem diante da falta de valor dos mandatários. É lamentável que esse povo chegue à primeira década do século 21 sem o reconhecimento dos seus direitos. É lamentável que o Estado democrático de direito (???) premie os invasores em detrimento do direito à vida. Recordo-me de Marçal Tupã-in, executado a mando do latifúndio dentro de sua casa, meses depois de expor a papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil, o drama enfrentado por seu povo. As autoridades, à época, prometeram solução. Palavras ao vento, para fazer bonito diante de sua santidade.
Existe um movimento, de resistência, que embora não faça muito, nos dá forças. Você pode fazer parte do Movimento de Resistência Kaiowá. Não precisa muito, apenas cole o cartaz da resistencia em seu site, orkut, twitter, blog ou qualquer outro meio de comunicação. Agradeço pessoalmente.

O Xamã.